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quarta-feira, 30 de janeiro de 2008

Entreatos – A mudança de Lula e do PT

O documentário de João Salles mostra os bastidores da campanha de Lula à eleição em 2002. Deixando a parte técnica de lado e analisando o filme a partir de uma visão política, pode-se tirar conclusões interessantes do filme como o papel decisivo de Duda Mendonça na construção desse Lula que a época foi chamado de 'Lulinha, paz e amor', um vislumbre do articulador José Dirceu que seria o braço direito do presidente e passagens carismáticas do cotidiano do futuro presidente e principalmente a grande mudança que se operou na mentalidade não só do Lula mas do próprio partido (com algumas exceções) como mencionado ao longo da filmagem:

“É o pragmatismo né Lula?”, comenta alguém, acho que é o Duda.
“É. É o pragmatismo.”, confirma Lula.

Por exemplo quando Lula cita Walessa ele mostra um conflito no pensamento de esquerda sobre qual seria a melhor forma de mobilizar a classe trabalhadora. Lula apresenta, enquanto voa em um jato rumo a SãoPaulo, três caminhos tomados por esta mobilização. O primeiro seria o do socialismo europeu, que buscava inserir os intelectuais nas fábricas para daí mobilizar a população e tomar o poder, seja pelas eleições ou pela força. O segundo e terceiro caminho seria o do socialismo brasileiro, em que os próprios trabalhadores se organizariam, no segundo modelo fugindo das eleições e buscando a revolução, e o terceiro caminho, apontado por Lula como o caminho pragmático seguido pelo PT seria o de disputar eleições e utilizar o próprio poder do Estado para mudar a mentalidade das pessoas e assim ganhar mais adeptos. Lula acha que Walessa ficou refém do poder instucional-ideológico católico, ao contrário dele que seria um político aberto que viria somente e puramente da classe operária, o que não o impede de governar como ele mesmo comentou:

“Outro dia um companheiro xiita do PT disse: ‘Eu prefiro o Lula de macacão, não o Lula de gravata.' (...) Eu não estava presente, me contaram. Aí fui no microfone e falei: “Tem um companheiro aqui que disse que prefere o Lula de macacão. Vamos fazer o seguinte: eu dou meu macacão de graça pelo terno e gravata dele. Ele vai trabalhar numa fábrica para ver se é bom. Só fala isso quem não conhece o que é trabalhar de macacão debaixo de uma telha de Brasilit. Depois do almoço aquela porra esquenta e você fica todo suado até três horas da tarde.”

Nessa passagem Lula expressa não somente seu desconforto pelo macacão mas sua mudança de postura, agora ele não é mais um operário, é um político que foi operário. E o marqueteiro Duda Mendonça teve um papel primordial na construção desse novo Lula, guiando-o na forma de falar, de agir, de proceder com o público. Abdicando dos erros cometidos em campanhas passadas, principalmente o radicalismo verbal. A campanha eleitoral de Lula optou por um discurso mais moderado, prometendo ortodoxia econômica, respeito aos contratos e reconhecimento da dívida externa do país, conquistando a confiança de uma parte da classe média e do empresariado. Lula mudou de figura, agora se apresentava não como um operário mas como um político, de terno e gravata.

Como se operou isso? À medida que o PT, durante a década de 1990, foi se acomodando na normalidade institucional da política brasileira, abandonando posturas simbólicas de rejeição daquilo que, na terminologia marxista, ele denominava "democracia burguesa" (gestos tais como a expulsão dos deputados federais Airton Soares e Bete Mendes por votarem em Tancredo Neves no Colégio Eleitoral de 1985, ou o voto "não" à redação final da Constituição de 1988) foi lentamente abandonando o caráter de uma "frente" informal de grupos de Esquerda para desenvolver uma poderosa estrutura burocrática permanente que o tornasse apto a participar, com chances de vitória, de embates eleitorais normais. Associe-se a isto a perda de ímpeto militante por conta das posições cada vez mais conservadoras adotadas pelo partido, e temos que o PT tornou-se cada vez mais dependente de fontes externas de fundos que viabilisassem suas campanhas eleitorais e a montagem de uma base de apoio parlamentar ao Governo Lula. No dizer do intelectual marxista César Benjamim, desde 1990, " Lula e José Dirceu começaram a esvaziar o potencial militante do PT para transformar o partido em uma máquina eleitoral tão formidável quanto inofensiva [...] dirigir o PT, nos últimos anos, foi gerenciar ambições".

Mas, particulmente, acredito que o PT foi vítima daquilo que vimos no texto de Robert Michels, a chamada “Lei de Ferro da Oligarquia”: a sua direção burocrática teria se integrado à ordem burguesa simplesmente como um interesse corporativo a mais, desmoralizando o partido diante da opinião pública como um instrumento de transformação social em larga escala. De certo, pode-se dizer que o partido encontra-se desde já numa séria crise financeira, derivada da ausência súbita dos recursos ilegais provenientes do chamado “mensalão”, o que o levou inclusive a se desfazer de sua sede em Brasília, assim como uma crise de legitimidade da sua direção oriunda do já mencionado Campo Majoritário, o qual perdeu, nas últimas eleições internas, a maioria na direção do partido. Mas a estrutura se mantém, afinal ela foi capaz de vencer as eleições e agora luta para se perpetuar no poder e calar as vozes dissidentes do partido que ainda carregam as antigas convicções ideológicas há muito abandonadas por Lula e pelo PT.

Autor: Willian Pereira do Nascimento – História, 2º semestre.

Um comentário:

Anônimo disse...

Belíssimo artigo. Primoroso em todas as suas nuances. Parabéns.