“Quem sabe se tivéssemos um Michael Moore brasileiro fazendo o Sicko nacional, o SUS finalmente funcionaria?” (CAVALCANTE). A partir dessa questão propus-me a algumas possíveis respostas e idéias acerca do tema.
Como muito bem citado pela autora, no início há o grito, um grito de espanto, ira e indignação, que antecipa toda forma de questionamento e discussão, assim exemplifica-se muito bem o próprio papel assumido por Michael Moore em seu documentário. O grito tem portanto um papel de ativador sobre as necessidades de um grupo ou toda sociedade. Resta contudo um balanço a ser realizado: até onde esse grito é capaz de ser ouvido? Uma vez que, como no próprio caso do Brasil, a violência simbólica encontra-se tão presente na vida social e as esferas de poder tem uma grande quantidade de artifícios que permitem naturalizar e legitimar conceitos em toda sociedade (leis).
Quando o SUS (Sistema Único de Saúde) foi criado em 1988, surgiu com o ideal de transformar a saúde num direito público e universal, a partir das idéias européias de sistema de saúde. E realmente não pode-se negar a validade da tentativa, entretanto no espaço científico as ações tendem a perder seu significado inicial, o discurso se descaracteriza (HOLLOWAY). Hoje ainda que dotado de uma base teórica considerável (pautado nos princípios da equidade, universalidade, racionalidade, descentralização, entre outros), o SUS encontra dificuldades absurdas em suas práticas diárias.
A primeira e mais óbvia dificuldade chama-se capital. A manutenção de um sistema de saúde público exige a distribuição racional de verbas, sem desvios e fraudes, como se observa em muitos municípios. Além disso o foco adotado pelo sistema deve ser concebível com o perfil econômico do país, ou seja, há necessidade na definição entre a amplitude das esferas preventivas e das esferas curativas. Adotar medidas preventivas normalmente resultam na maximização do sucesso do tratamento e na qualidade de vida da população, além de permitir redução de gastos. Teoricamente o SUS cobre esse aspecto, todavia a prática da inserção dos centros de saúde na comunidade ainda é falha. Assim como fica evidenciado no documentário com o exemplo de Cuba, que possui uma medicina essencialmente preventiva.
Há ainda de se mencionar a quantidade de usuários do serviço público que lotam as filas de hospitais por todo o país. Na maioria das vezes o atendimento inicial eficiente as pessoas nos seus locais de origem seria capaz ao menos amenizar a demanda nos grandes centros. Essa aliás, é mais uma das contradições teóricas do SUS, o principio da descentralização, o atendimento primário junto aos moradores, o papel a ser desempenhado pelos centros de saúde. No entanto, mais uma vez, a carência de material humano e insumo hospitalar torna a marcação das consultas como um duelo de quem chegou primeiro. A universalidade do sistema estranhamente passa pela distribuição de senhas, e não pelo atendimento pronto e imediato.
Outro problema na prática do SUS é a incorporação das lógicas predominantemente capitalistas e objetivistas nas esferas acadêmicas, que minam o numero e a satisfação dos profissionais de saúde. Frente aos baixos salários e a falta de material (gaze, luvas, mascaras) é praticamente certa a migração dos profissionais para a esfera privada. Empiricamente observa-se que o sistema de saúde acaba sendo visto como apenas um meio transitório de recém-formados ingressarem no mercado e aprenderem um pouco mais, antes de se lançar em suas próprias clínicas.
Em resumo, diria que se um Sicko nacional fosse feito, seriamos capazes de observar uma imensa contraditoriedade entre o que se diz e o que se faz. No Brasil, somos “assegurados” por lei, e ninguém tem seu atendimento negado por falta de seguro, todavia a ineficiência às vezes é tão grande, que aos milhões de usuários as diferenças não são tão significativas assim.
Bibliografia:
HOLLOWAY, J. Mudar o mundo sem tomar o poder: o significado da revolução hoje. São Paulo: Viramundo, 2003.
CAVALCANTE, S. Uma tentativa válida. Brasília: 2008
<http://www.sespa.pa.gov.br/Sus/sus/sus_oquee.htm> última visualização em 19 de fevereiro de 2008.
CAVALCANTE, S. Uma tentativa válida. Brasília: 2008
<http://www.sespa.pa.gov.br/Sus/sus/sus_oquee.htm> última visualização em 19 de fevereiro de 2008.
Autor: Rafael da Fonseca, estudante do 8º semestre de Odontologia
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