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quinta-feira, 14 de fevereiro de 2008

XXY de Lucia Puenzo - Uma visão

Lucia Puenzo tenta revelar através de Alex (15 anos), um pouco da realidade do intersexo, pessoa que possui as genitálias masculina e feminina. Ela expõe como é ser um, e como a sociedade age em relação a ele, mostrando a influência ditada pelo meio que interfere até mesmo no relacionamento entre os pais e um filho.
O filme é cheio de detalhes sutis, mas que chamam atenção por trazerem a tona, de forma “indireta”, o assunto sexualidade, com mutilação, descriminação, incompreensão e exclusão social.
Quando Alex nasce e os pais se deparam com a sua “disfunção” genital, decidem sair de Buenos Aires e ir para um vilarejo no interior do Uruguai, na tentativa de esconder o filho excluído dos padrões da sociedade. O ambiente escolhido como refúgio foi uma costa sossegada com o mar sempre ao fundo e um horizonte carregado, o que leva o drama para um cenário melancólico e solitário, talvez em alusão a vida dessas pessoas, que são classificadas pela sociedade como “espécies raras”, vistas como aberrações, e por isso, são privadas de um convívio social normal.
Um ponto interessante no filme é mostrar a cirurgia como uma mutilação que traz conseqüências posteriores, e não apenas um artifício necessário à redesignação sexual. Lucia reforça o fato ao mostrar o pai de Alex realizando diversos procedimentos cirúrgicos em tartarugas, como na que teve uma nadadeira decepada, e até mesmo na mãe cortando o dedo ao fatiar uma cenoura (em alusão à castração).
O pai sabe que a cirurgia desejada pela mãe (ainda mais influenciada pelos amigos, que aqui podem representar o convívio social “normal” que ela anseia) depende da vontade de Alex, da sua decisão. Isso é muito importante, pois “certamente a participação do indivíduo no processo da tomada de decisão quanto ao seu tratamento, principalmente em relação à cirurgia, constitui medida preventiva dos prejuízos causados por uma redesignação sexual posterior ou, o que seria mais grave, pela convivência forçada com um sexo designado sem estabelecimento de identificação”. (Santos e Araújo, 2003).
No entanto, ao se deparar com a filha penetrando um homem, ele não sabe mais ao certo como agir. Pela primeira vez, percebeu realmente que não poderia continuar sem se posicionar em relação à situação da filha: “-Não se iluda, Alex nunca vai ser uma mulher. Não adianta tomar os corticóides.”. Mas ele tinha que aceitar o que a filha escolhesse, e não o que a esposa, a sociedade ou ele desejavam.
Alex então se vê em um dilema, pois não sabe ao certo o que é, como afirma: “-Eu sou os dois!”, e tenta conviver normalmente. No entanto, quando se depara com o mundo exterior, sente medo de se expor e se relacionar, pois tem medo do próprio corpo.
Quando tentam abusar dela, talvez seu maior medo não seja sofrer uma agressão física, mas de ser exposta e descriminada, como se fosse uma atração cômica e bizarra. Talvez por isso, os jovens intersexo não se relacionam direito com os outros, pois se sentem excluídos e reprimidos, como se não fizessem parte da sociedade.
Pode-se concluir que a realidade do intersexo não pode ser assim tratada, abafada com panos quentes. É importante que a sociedade se preocupe não só com atributos físicos, mas também com a personalidade, a formação psicológica do intersexo, lhe concedendo seu direito de plena liberdade.
Podem-se esconder da criança a cirurgia e o laudo médico, mas sempre ficam as cicatrizes no corpo.


Autor: Kariel Alexander de Araújo

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