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quarta-feira, 13 de fevereiro de 2008

Meios de transporte, sociedade e relações de poder: discussão baseada no documentário Apocalipse Motorizado.


Caso tivesse a intenção de buscar um símbolo material que representasse o Capitalismo em sua essência competitiva, provavelmente o automóvel assumiria uma séria candidatura ao posto. Não sou radical ao ponto de atribuir uma natureza diabólica à engenhosa criação, contudo a associação da história desse produto e o desenvolvimento do modo de vida capitalista é notável. Inicialmente projetado com a intenção de promover a locomoção rápida entre os burgueses (LUDD), atingiu a sociedade como um todo a partir da produção em série e da linha de montagem, promovendo uma explosão no número de usuários/consumidores de veículos no interior das cidades.


Na prática, viu-se o aumento dos efeitos ambientais das máquinas, do número de conflitos no trânsito e de uma sonora sinfonia de buzinas, produzindo na sociedade ocidental uma crise no seu modo de organização dos meios de transporte e um questionamento sobre a sustentabilidade dessa (por exemplo, as bicicletadas da Critical Mass). Nessas décadas de expansão automobilística, não apenas houve a expansão industrial como também uma transformação na estrutura física das cidades e no comportamento social dos cidadãos. As ruas foram tomadas com o intuito apenas de passagem, a vida social das pessoas assumiu um aspecto compartimentalizado, com núcleos (escola, trabalho, casa) cada vez mais distantes, o próprio caráter individual exacerbou-se a ponto de dissociar os indivíduos do convívio com os demais membros de suas comunidades (LUDD).


A permanência desse tipo de estrutura foi assegurada em primeiro lugar pela própria simbologia burguesa do carro, há dentro da sociedade a noção de poder atribuída ao carro. O veículo é o espaço de liberdade e privacidade para muitos (o local onde o motorista pode pensar possuir total controle) e mais, ele é a própria personificação do sucesso profissional e financeiro para tantos outros. Em segundo lugar, devemos admitir que ocorreu o desenvolvimento de grandes campos de poder, tanto nas indústrias petrolíferas e montadoras quanto no transporte coletivo, que adquiriram capacidade de dialogar com outros campos do poder, e modelar o comportamento social, seja indiretamente com conceitos naturalizados ou diretamente na legislação do Estado. Dessa maneira, diversos sonhos, como possuir um carro, nos são apresentados desde a infância assim como a “racionalidade” aparente do sistema atual (BOURDIE). Por fim, não podemos esquecer da responsabilidade intrínseca da sociedade como um todo. A recusa em se exercer o poder da maioria permitiu que tantas mudanças sociais e estruturais fossem concretizadas, em favor de minoria de interesses dos magnatas do petróleo, fabricantes de veículos e donos dos transportes que jamais seriam capazes de movimentar toda a sociedade, sem seu consentimento (ARENDT).


Frente a uma transformação tão grande e antiga me arriscaria a dizer que ainda que a sociedade optasse por destruir toda sua malha rodoviária e veículos, pouco adiantaria, pois as dimensões estabelecidas pela “tirania do automóvel” enraizaram-se profundamente na consciência das pessoas. A própria morfologia atual das cidades não nos permite a exclusão do automóvel, é improvável que moradores das regiões mais afastadas (ricos ou pobres) consigam se submeter aos meios de transporte coletivos atuais com eficiência. “O supérfluo tornou-se necessário” (LUDD).


Hoje, o transporte urbano representa muito mais do que apenas a maneira pela qual as pessoas se locomovem, é maneira pela qual apresentam seu status, ganham e gastam seu dinheiro e seu tempo. Ainda que o supérfluo tenha se tornado necessário, e eu particularmente não acredite na resolução do problema com a extinção do automóvel, mantenho as esperanças baseada na desconstrução do poder a partir de outros nós dessa rede (HOLLOWAY). Atuando indiretamente na naturalização de conceitos como respeito e solidariedade em detrimento da competição; tornando a legislação de trânsito efetiva para apuração e punição das responsabilidades; regular a emissão de licenças de direção, além do número de veículos por família; controlar a quantidade da produção de veículos e manter em equilíbrio com o número de automóveis em circulação; podem ser sugestões a serem analisadas.


Referência

ARENDT, H. Sobre a violência.
BOURDIE, P. Meditações pascalinas.
HOLLOWAY, J. Mudar o mundo sem tomar o poder: o significado da revolução hoje. São Paulo: Viramundo, 2003.
NEED LUDD (org). Apocalipse Motorizado: a tirania do automóvel em um planeta poluído. São Paulo: Conrad, 2005.


Autor: Rafael da Fonseca, estudante do 8º semestre de Odontologia

Um comentário:

Política para todxs disse...

Rafael, o artigo está ótimo, mas as citações estão todas erradas, é preciso colocar o ano da obra ao citar no corpo do texto. Além disso, a referência na bibliografia deve ser completa.