O documentário Sociedade do Automóvel, de Branca Nunes e Thiago Benicchio traz reflexões muito interessantes e bastante aplicáveis aos dias de hoje. A primeira delas é a respeito do papel do carro em nossa sociedade. Inicialmente, essa máquina foi concebida com o objetivo de garantir a locomoção das pessoas; levá-las de um lugar a outro, poupando-lhes tempo e energia. Com o passar dos anos, aliado ao desenvolvimento industrial, o produto carro passou a apresentar variações, de cor, modelo, eficiência e principalmente valor. Em outras palavras, um bem que primeiramente era apenas das elites não dava tanto lucro se fosse restrito apenas a poucos. Assim, a segregação de classe com base na propriedade ou não do carro, deu lugar a uma separação com base na qualidade e valor do veículo que a pessoa possui.
Não estou afirmando que aqueles que não possuem carro deixaram de compor uma “classe”, mas sim que a distancia entre eles e a elite abastada aumentou, uma vez que outros segmentos sociais foram inseridos entre eles. O carro deixou de ser exclusividade de poucos e se tornou uma imposição social; algo que garante a existência do indivíduo. Aqueles que não o tem, muitas vezes são colocados mais à margem da sociedade, ficando assim também mais confinados. Tal confinamento advém da pouca quantidade de opções de lugares e passeios que uma pessoa tem caso não possua um carro.
Esse triste fato se dá, pois, conforme foi mencionado no documentário, o planejamento urbano privilegia o espaço do motorista. Grandes e largas avenidas, número altíssimo de elementos de sinalização, grandes espaços vazios destinados a estacionamentos, nenhuma ciclovia nem calçadas e as poucas que existem, em péssimo estado de conservação; tudo isso ilustra um pouco da preocupação dos governantes, que é voltada muito mais para os motoristas que ao resto da população.
Fica claro então, que o automóvel não possui mais apenas a função de locomoção. Quem adquire um carro, está pagando por privacidade, conforto, status, sensação de controle, independência, identidade, entre várias outras coisas. Ah, não podemos deixar de destacar que também se compra participação na vida e nos meios produtivos do Estado. O proprietário passa ajudar os grandes produtores, os “donos” de petróleo, prestadores de serviços, enfim, contribuir para a movimentação de toda uma economia.
Todos esses papéis do automóvel além da locomoção vêm destruindo as redes sociais por meio do isolamento das pessoas em bolhas metálicas, aumento das relações de poder e status e manifestações de agressividade no trânsito. Outras conseqüências dos automóveis podem ser apresentadas, como poluição, que causa tanto impactos ambientais negativos, quanto problemas de saúde; diminuição do espaço público comum; altíssimo número de mortes e de pessoas com lesões ou seqüelas permanentes; além de aumento do número de assaltos; guerras por combustível e o barulho dos motores, alarmes e buzinas.
Diante de todas essas conseqüências negativas, é possível inferir a insustentabilidade do atual sistema de transportes. Acredito que seja necessário, não a completa abolição dos automóveis, mas o investimento em soluções alternativas ao crescente número de veículos particulares nas ruas. Em minha opinião este seria um trabalho de muitas “frentes” e de longo prazo, que envolveria uma melhoria na quantidade e na qualidade da oferta de transportes públicos, incentivos (de toda a espécie) para a utilização desses meios de transporte, conservação de grandes áreas para circulação de pedestres e ciclistas, desenvolvimento de alternativas aos atuais combustíveis e aos modos utilizados para descarte de peças e veículos, além de varias outras medidas.
O importante, acredito, é não se tornar insensível aos prejuízos causados pelo carro e nem cego às benesses trazidas por essa tecnologia. Não podemos banir por completo algo que nos traz vantagem nem adotar sem responsabilidade algo que também traz prejuízos. Devemos nos questionar, primeiramente, sobre aquilo que sustenta a nossa dependência do automóvel para depois pensarmos em reverter essa condição.
Autor: Raphael Andrade – 8º semestre de Psicologia
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