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terça-feira, 12 de fevereiro de 2008

Sicko - Michael Moore

Crítico ferrenho do governo de George W. Bush, o cineasta documentarista e escritor americano Michael Moore, compartilha da ideologia social-democrata. Conhecido pelo temperamento irreverente, ao mesmo tempo incisivo, foi lançado para a ribalta com a produção de Bowling For Columbine e, mais tarde, trouxe à tona o recorrente debate relativo à guerra no Iraque em Fahrenheit 9/11. Atualmente, decidiu abordar o lucrativo sistema de saúde norte-americano: Sicko não se apresenta de maneira tão ambiciosa, nem mesmo comporta o profissionalismo dos precedentes documentários; de toda forma, direciona o mundo em uma nova posição de questionamento sobre a mais próspera nação. A fim de ilustrar as consequências da inexistência de cuidados de saúde gratuitos, Moore se utiliza de estatísticas e depoimentos diversos, conferindo ao conteúdo cinematográfico considerável credibilidade. Todavia, em detrimento da objetividade, faz intenso apelo emocional, hiperbolizando determinadas situações e sugerindo assim uma sensação de tendencionismo. Apesar da total absorção pela realidade vivida e recontada, o espectador se posiciona de antemão receosamente.
Igualmente célebre pela postura embativa acerca da totalidade política estadunidense e a decorrente dicotomização daquilo que se considera positivo e não, Michael Moore se revela mais uma vez parcial. Sicko denuncia os interesses corporativos e estatais camuflados sob o problema da privatização do setor saúde. Para tanto, é válido o suporte comparativo divulgado opondo a exclusão do sistema de saúde norte-americano à abrangência efetiva em determinados países. O documentário presta homenagem vibrante ao Canadá, Reino Unido e França, regiões nas quais a expectativa de vida da população supera a registrada nos Estados Unidos. De fato, os vizinhos ao norte, por exemplo, dispõem de elevada qualidade de vida, amparada na excelência dos cuidados médicos. A despeito dos problemas específicos das especialidades e excetuando-se as longas filas de espera, ao contrário da realidade apresentada pelo cineasta, é de convir que o sistema oferecido apresenta respeitável qualidade. Na última eleição do país, um dos grandes debates abordava a questão do financiamento do sistema de saúde, que responde por mais de 35% do orçamento nacional – incluindo prevenção, tratamento domiciliar, extra-hospitalar, hospitalar e reabilitação. Foram eleitos os políticos que tinham propostas para aumentar o financiamento, melhorar o sistema, mantendo-o público. Do mesmo modo, pesquisa do instituto de sondagens Mori revela que o sistema de saúde britânico (NHS) constitui o assunto mais importante para o eleitorado. Apesar das críticas, o NHS, herança do Estado de bem-estar criado após a Segunda Guerra Mundial, é motivo de orgulho aos ingleses e representa, sobretudo ao olhar estrangeiro, “uma maquina de fazer bem”.
Se a questão é replicar a veracidade dos dados, a Organização Mundial de Saúde apresenta a França na irrefutável posição de eminência quando o assunto é saúde. Mas há quem seja resoluto em contestar: os próprios precursores da revolução burguesa. Nas palavras de Moore, “os franceses amam se detestar ainda mais do que os norte-americanos os detestam”. Apesar do efetivo empobrecimento do sistema de saúde público, que encontra suporte explicativo no momento generalizado de embaraço em que a França se encontra, quando comparado aos precedentes anos de glória, é importante reconhecer sua força. Mesmo que os franceses insistam ao seu modo em caracterizar o presente momento como de “profunda decadência”, vale exaltar a primazia das instituições do país. Pátria libertária, combativa, a França simboliza, para além do poderio econômico, superioridade quando se trata de direitos humanos; mortalidade infantil reduzida, ensino gratuito de qualidade, analfabetismo praticamente inexistente, cobertura social universal. Em uma nação que prioriza a igualdade e, sobretudo, justiça, não poderia ser diferente! Sem dúvida alguma, dentre os visíveis progressos no campo humano, a Seguridade Social representa o maior triunfo. Misto de liberalismo e obrigações, de controle e laxismo, de centralização e autonomia, o seguro-saúde francês abarca todos os residentes legais do país, garantindo não somente a inclusão, mas também a excepcional possibilidade de escolha.
Posto à parte o desempenho das potências acima descritas no quesito saúde, julga-se fundamental a reflexão acertada proposta por Michael Moore a respeito da aparente contraditória ineficiência deste mesmo setor em seu país. Embora os Estados Unidos apresentem supremacia econômica e carreguem uma história de conquistas invejáveis, país mais atrasado em relação ao direitos humanos não há! Causa estranheza num primeiro momento tamanha incoerência. Entretanto, basta analisar de forma cautelosa a política adotada em determinado país a fim de esclarecer possíveis questionamentos. Conforme relatado em Sicko, as operadoras de planos de saúde têm como objetivo único maximizar os lucros. Torna-se impossível, contudo, conciliar uma feroz expansão financeira com uma ética rigorosa no comportamento. A massificação pressupõe um atropelamento dos valores humanos. Como bem pontuou o jornalista André Petry, “A civilização só pôde se organizar em comunidade ao eleger a vida humana como valor supremo”. Os Estados Unidos, assim, haverão de se curvar aos demais países, como a subdesenvolvida Cuba, para assimilar o abecedário, depois de uma longa trajetória de louváveis conquistas.


Autora: Gabriela Lobosque

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