Para compreender o funcionamento de um sistema, muitas vezes o exercício observatório não é suficiente. Nesses casos, a inserção do analisador no universo estudado se faz atividade fundamental para bom entendimento dessa esfera. Sicko, documentário de Michael Moore, trata de algo que o diretor, como, além de pesquisador, cidadão americano, pode ponderar: o sistema de saúde estadunidense. Para fazer sua crítica, Michael utiliza o método comparativo, que induz o espectador a tomar um dos objetos expostos como correto. Nesse caso, as referências utilizadas para construir o segundo pólo são os sistemas de saúde canadense e de alguns países europeus. O artigo Sicko – O quanto vale a vida de um ser humano?, da aluna Nara Mendes, expõe abertamente a problemática do interesse político como plano de fundo da qualidade na oferta de serviços destinados à comunidade, tendo evidentemente os médicos em foco.
A abordagem da aluna se mostra muito interessante, especialmente por trazer informações de autoridade como a mais famosa obra de Maquiavel e fatos presentes no atual palco político brasileiro para, assim como Moore, tecer sua linha comparativa. Todavia, diferentemente do cineasta, seu posicionamento é bem mais imparcial em relação à superioridade de algum deles. Ela não privilegia qualquer um dos mundos que retrata, pelo contrário, desenvolve sua idéia acerca do conteúdo da produção de Moore e a transpõe para a realidade brasileira, costurando problemas relevantes da comunidade daqui e da norte-americana. Ao concluir suas linhas, a aluna ainda traz a tona fato peculiar dos cidadãos verde e amarelos: a memória curta, que transforma qualquer escândalo ou problema grave em episódio passageiro. Do problema do atendimento médico, a memória sem tanta eficiência também se ocupa, caso contrário as mortes por falta de acompanhamento adequado que ainda são denunciadas não passariam pela população como fumaça. Brasileiros têm memória curta e estadunidenses, talvez, sonhem demais.
Não obstante, Nara não citou algo bastante importante explorado pelo documentário: a transformação do atendimento médico em um sistema comercial puro. O jogo político aí é um instrumento de aumento de lucros; tanto os representantes do povo quanto a parcela que detém indústrias e corporações ligadas aos serviços de saúde formam o eixo que coordena quem vai e por que vai receber algum atendimento médico. E, em verdade, não são apenas os gigantes que controlam a quantidade e qualidade desse tipo de material, a população tabém faz parte da esfera de controle seja compactuando ou tomando as rédeas. No sistema de saúde estadunidense, os planos comportam-se de maneira pouco ética e o governo se abstém desses cuidados porque a população permite. No Brasil, a febre amarela e a CPMF são pontos de interesse máximo porque o cidadão não se preocupa em analisar o quadro governamental e exigir reformas e melhorias, coisas obviamente de maior necessidade.
Cada povo constói sua sociedade e atribui valores àquilo que considera pertinente. Se governantes e empreendedores alocam dinheiro em posição acima da vida, não é problema exclusivamente deles, uma vez que fazem parte de uma comunidade extensa que engloba diversas classes de pessoas e ideais. A escassez de valores morais é a grande responsável por horrores como os denunciados por Sicko e os tantos vistos diariamente nos noiciários e esquinas, e não será sanada enquanto a preocupação das pessoas não se voltar para uma reforma cultural.
Autora: Ana Mendes
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